São Paulo, 06 de fevereiro, de 2025
A mitologia própria do brasileiro é uma fusão de três grandes tradições: indígena, africana e europeia. Cada uma dessas influências trouxe seus mitos, que se transformaram ao longo dos séculos, criando um imaginário único.
Deuses gregos podem ser mais reconhecidos academicamente ou na cultura pop, mas isso não significa que ressoem mais profundamente na alma do brasileiro. Figuras como Exu, Iemanjá, Saci e Curupira continuam vivas no imaginário, influenciando crenças, expressões e costumes, muitas vezes sem que as pessoas percebam. Isso sugere que esses arquétipos ainda atuam, e sempre atuaram, no inconsciente coletivo brasileiro, mesmo que de forma misturada, disfarçada ou ocultada.
Os mitos de origem autóctone, naturais da terra, como o Curupira, Iara, Boitatá, Caipora e tantos outros, refletem a relação com a floresta e as forças da natureza. Além disso, o inconsciente coletivo não é estático. A mitologia brasileira não se reduz ao que foi imposto pelo colonizador, mas continua sendo vivenciada pelo próprio povo, construindo e reconstruindo seu universo simbólico.
No entanto, ocupar o espaço simbólico é diferente de ocupar o espaço psíquico. Ocupar o espaço simbólico significa estar presente visivelmente na cultura - na arte, na literatura, na mídia, nos discursos históricos. Ocupar o espaço psíquico, por outro lado, significa atuar no inconsciente coletivo, influenciando emoções, comportamentos e crenças profundas.
Um mito pode ser resgatado culturalmente sem, necessariamente, voltar a ter força psíquica. Nada garante que a recuperação cultural atue no inconsciente da maioria das pessoas da mesma forma que figuras cristãs ou gregas, que foram reforçadas por séculos. Para que um mito ocupe o espaço psíquico, ele precisa ser vivido, contado e sentido de maneira espontânea, não apenas estudado ou promovido culturalmente.
A importância de ocupar o espaço psíquico com lendas de origem indígena, em vez de apenas mitos greco-romanos, está na conexão com a realidade simbólica do território e da cultura brasileira. Os mitos atuam como mapas internos que ajudam um povo a interpretar o mundo, e os mitos indígenas estão enraizados na geografia, nos ciclos naturais e nas relações humanas que fazem parte da experiência do Brasil.
Embora os portugueses sejam parte importante da identidade brasileira, a mitologia grego-romana não surgiu do mesmo ambiente nem da mesma vivência histórica deste nosso país. Seus arquétipos podem ter ressonância universal, mas não falam diretamente da floresta, dos rios, dos animais e da relação com a terra que moldaram a vida aqui. Em contrapartida, figuras lendárias brasileiras emergem de um imaginário próprio, ligado à natureza e aos desafios locais.
Reocupar o espaço psíquico com lendas indígenas fortalece a identidade brasileira e permite um olhar menos colonizado sobre o próprio inconsciente coletivo. Isso não significa excluir influências europeias, mas reconhecer que há símbolos mais próximos da experiência do país que foram historicamente apagados e que podem oferecer referências mais autênticas para pensar a realidade do brasileiro em seu próprio país.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2025
A ideia desta oficina surgiu depois de um estudo feito sobre Caipora, esse ser que ora é homem, ora é mulher, mas que transita nas histórias de norte a sul do país.
A importância dessa criatura e de sua comensalidade, que é o ato de repartir uma refeição, está relatada no artigo de Gabriel Lopes, do Instituto de Ciências Antropológicas, da Universidade de Buenos Aires, chamado: Comendo com(o) Caipora: encontros que "encantam" o sertão da Bahia.
Caipora, a dona do mato, é protetora da caça e tem o poder de reviver animais mortos. Em função dessa proteção, há uma relação simbólica de reciprocidade, em que ela recebe certos alimentos em troca de permitir ao caçador encontrar a sua presa. Doar é, então, a palavra chave de quem se relaciona com Caipora.
Dessa característica e de questões que envolvem a identidade cultural brasileira, também formada por propriedades da mãe natureza, que trabalharemos esse nosso encontro do dia 19 de fevereiro, na Av. Paulista 171, 4º andar, das 15h às 17h.
Para mais informações, veja no site parceiro da Layla: https://www.casadaflordourada.com/lendasbrasileiras